A contra cultura dos anos 60 que
deu no movimento hippie, assim como nas revoltas estudantis na França em 1968
marcou profundamente nosso mundo. A contestação do modo ocidental de vida, dos
valores burgueses, levaram muitos a se rebelar, usar cabelos grandes, roupas
espalhafatosas e uso de drogas para alargar os níveis de percepção da mente.
Vemos isso até hoje, há uma tribo que ainda vive segundo essas normas de
contestação e resistência (segundo muitos que pude conhecer). Há uma legião de
gente no meio literário que adota essa cultura neo-hippie em nossos dias no
sentido mais de usar os ícones da contestação, já que muitos trabalham ou dão
um jeito de produzir para prover suas necessidades.
É uma postura diante das coisas
prática da vida até certo ponto romântica, quixotesca e juvenil, já que quem
optou por esse modo de encaminhamento é avesso à organização de movimentos
políticos, execra os que são empreendedores chamando-os genericamente de
capitalistas e, é claro de careta quem não celebra como eles seus rituais
sociais. Sempre tive uma convivência até certo ponto pacífica com esse povo,
por estar no meio das artes de música, teatro e posteriormente poesia, sempre
os encontrei, interagi com alguns, sempre esbarrando em algum conflito quando
algum deles entrou em rota de colisão por não concordar com alguns dos meus
processos de trabalho e realizações culturais que venho empreendendo no Recife
desde 2003.
Em 2004, criei no espaço
Pasárgada, na Rua da União o evento UNIÃO COM BANDEIRA, juntando os poemas
autorais dos diversos poetas que tinham livros lançados em nossa região
metropolitana. O diretor do espaço cultural, o jornalista Valdi Coutinho,
permitiu que eu instalasse na Casa de Manuel Bandeira meu projeto, que contava
com a colaboração do jornalista Bráulio Brilhante e do hoje falecido poeta e
professor de Língua Portuguesa Chico Espinhara. Não havia verba do órgão gestor
da casa para remunerar nossa atividade, razão pela qual me foi permitido expor
e comercializar meus folhetos de cordel e montar um boteco improvisado através
do qual eu e meus parceiros poderíamos auferir algum ganho, coisa que no meu
caso não havia como abrir mão desse processo.
Uma vez em Olinda, um desses
alternativos, após eu me apresentar num recital no Centro Luiz Freire e
anunciar meu evento subiu ao palco logo em seguida. Fez sua
apresentação e no fim soltou uma pérola, algo mais ou menos assim: - gente eu
tenho meu recital que existe há mais de 3 anos, sempre nas quintas-feiras, a
partir da meia noite, todo dia numa local diferente onde a pessoa que abriga o
recital organiza o mesmo e um coquetel com bebidas. Todos podem ir, não pagarão
por nada, mesmo porque eu não me presto a realizar eventos com fins lucrativos.
Desceu do palco com um riso se superior e debochando de quem se apresentou
antes. Eu calmamente me dirigi até ele e candidamente disse: - faço com fins
lucrativos porque, ao contrário de você não sou parasita, gigolô e meus dois
filhos,ao contrário dos seus,eu sou provedor das despesas deles e não os deixo
nas costas da mãe como você faz. Fui execrado publicamente, mas no plano
privado dei o troco que esse imbecil merecia, sem nenhuma resposta desse
folgado é claro.
Outro coleguinha dele, em pleno
recital no Espaço Pasárgada, em companhia de um europeu e sua namorada
brasileira afro-descendente, resolveu acender bem perto de onde o povo se
apresentava um cigarro de maconha. Estavam fumando e eu me aproximei e pedi que
o colega apagasse o baseado dele. Ele alterou-se e esbravejou comigo:- meu
irmão, que repressão da porra é essa? Eu calmamente expliquei pra ele que o
local em que estávamos era uma repartição pública e que seu diretor me pediu
encarecidamente que não permitisse essa prática por lá. Pior de tudo, o cabra é
professor de escola pública e não teve a menor sensibilidade de perceber que um
flagra da segurança da casa geraria um fato policial que queimaria o filme de
toda uma comunidade de artistas que naqueles tempos, através de nossa
iniciativa, tinha um espaço de visibilidade, já que os jornais da cidade e a
agenda cultural nos deram seu apoio. Essa é a transgressão dos babacas. Pouco
tempo depois encerrei minha presença por lá por causas das reformas que o
imóvel sofreria e segui por aí inventando, como até hoje faço formas de por na
fita a minha produção cultural de outros artistas que se afinam com a proposta.
ALLAN SALES
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